Vacina: A tecnologia que salva vidas
Vacinas salvam anualmente milhões de vidas em todo o mundo. Vamos entender o porquê?
Em primeiro lugar, o que são as vacinas?
Biologicamente, vacinas são mecanismos profiláticos, de prevenção de doenças, através da imunização ativa. Em outras palavras, vacinas nos ajudam a evitar a infecção por certa doença ao fornecer para o nosso sistema imunológico informações essenciais sobre como identificar e combater o causador de determinada doença.
Do ponto de vista da composição, as vacinas normalmente são feitas a partir de versões atenuadas, reduzidas, dos agentes causadores das doenças, de algum parente menos perigoso ou de uma parte desse agente infeccioso.
A história das vacinas não é recente. Temos registros bastante confiáveis de que os chineses já aplicam essa ideia pelo menos a partir do séc. X, e que da China essa tecnologia, sim, vacina é uma tecnologia, se espalhou pela Ásia, Índia e Europa Oriental.
Os médicos chineses (Dinastia Ming) retiravam secreções das feridas das pessoas contaminadas com varíola e colocavam essas secreções para secar ao sol. Isso era então raspado e transformado num pó bem fino que as pessoas aspiravam.
O interessante é que naquela época, eles não sabiam nada de genética e radiação na época, mas o fato é que funcionava: a radiação ultravioleta do sol destrói o material genético do vírus da varíola, mas preserva a capsula de proteína ,chamada capsídeo, que protege esse material genético. Essa capa de proteína não é capaz de produzir a doença, mas é suficiente para ensinar ao seu sistema imunológico a reconhecer o vírus, e desenvolver os anticorpos pra combater essa família.
Esse método chega à Europa por várias vias distintas, mas é no fim do séc. XVI que Edward Jenner, médico em Berkeley publica um trabalho descrevendo um método de inoculação diferente: já se sabia que as moças que trabalhavam na ordenha do gado pegavam “varíola bovina”, que dá um pouco de febre e feridas nos braços, mas não pegavam a varíola humana, uma “versão” muito mais perigosa e que pode causar morte. Jenner então pega as secreções do braço de uma dessas moças, faz um corte no braço de um “voluntário” e esfrega o pus da moça na ferida. Depois de dois meses ele contamina o paciente com varíola humana, e a doença não se desenvolve.
Hoje o processo é mais tecnológico, longo e complexo, e muito padronizado. Temos várias agências reguladoras internacionais para verificar o processo e garantir que as questões éticas estão sendo observadas.
A título de exemplo, atualmente pode-se realizar o sequenciamento do genoma desse agente infeccioso, como as pesquisadoras brasileiras fizeram com o nCoV-2019, e por meio dessa informação, propõe-se um algoritmo pra simular as possíveis interações desse organismo com nosso corpo e nosso sistema imunológico. Aí partir dessa simulação, as vacinas começam a ser testadas em culturas celulares. Se tudo der certo, começam então os testes em cobaias, animais com respostas imunológicas parecidas com as dos sere humanos, onde interações inesperadas podem aparecer. Isso porque sistemas vivos são muito mais complexos que simulações em culturas celulares, e ainda precisamos realizar essa etapa. Com o desenvolvimento de tecnologias de processamento e inteligência artificial, pode ser que um dia a gente consiga pular os testes em animais. Na última fase do processo, começam os testes em humanos, que normalmente são divididos em três etapas:
- Fase I, tem como objetivo testar a segurança da vacina, e precisa de pelo menos 20 voluntários, que precisam estar plenamente cientes do motivo, dos objetivos, dos riscos e possíveis efeitos colaterais.
- Fase II, se ficar claro que a fase I é realmente segura, começa o teste com pelo menos 50 pessoas. A equipe continua avaliando a segurança, mas também observa a eficácia – se realmente protege as pessoas da doença que se quer evitar.
- Fase III, se a fase II for bem sucedida, os testes começam a ser realizados em dezenas de milhares, às vezes centenas de milhares de voluntários.
Após a conclusão da fase III, se a comunidade científica concluir que o processo foi efetivo em todos os parâmetros, alguma empresa é autorizada a solicitara o licenciamento pra começar a produzir e comercializar a vacina. E esse processo também é acompanhado de perto.
Todas essas etapas demandam muito tempo. Por isso uma vacina para uma epidemia relativamente nova como essa do CoVid-2019 ainda deve demorar, um pouco, para estar disponível para a população.
Conhecendo como as vacinas são produzidas é importante entender o papel delas em nosso corpo.. As vacinas agem no nosso sistema imunológico. O sistema imunológico é o responsável por identificar e eventualmente neutralizar ameaças – e ele pode atuar em diferentes áreas. Várias coisas que a gente come provocam respostas imunológicas: corantes e temperos, por exemplo. Se essa resposta é exagerada, vira uma alergia alimentar.
O nosso sistema imunológico funciona em etapas, e a primeira etapa, de identificação das ameaças, se baseia numa “biblioteca de ameaças”. As vacinas ajudam a atualizar essa biblioteca de “maus elementos”. Ela fornece um retrato falado do agente infeccioso, e aí o sistema se prepara para enfrenta-lo. Esse processo de preparação para o enfrentamento normalmente dura alguns dias – é meio lento mesmo – e chama imunização primária. Pode ser meio desconfortável, e por isso algumas vacinas podem causar um pouquinho de febre, náusea e perda de apetite. Podem causar também inchaço no local, a BCG, por exemplo, pode virar uma ferida com pus. Mas é só isso. Estatisticamente 1 caso em 1 milhão pode evoluir para reação alérgica grave.
Após essa etapa de imunização primária, assim que o corpo tiver contato com o agente infeccioso real, a reação é rápida e precisa. Essa fase é chamada imunização secundária e não dá febre nem nada. Você nem percebe que ela está acontecendo no seu corpo.
Sobre os efeitos colaterais que tanto assustam algumas pessoas: a Biologia não é uma ciência exata, como a Matemática. Seres vivos são complexos, dentro de uma curva estatística, pessoas diferentes podem apresentar reações ligeiramente diferentes a esses agentes atenuados. Como a gente discutiu há pouco, as reações adversas incluem febre leve (nada acima de 39 graus), desconforto estomacal com náusea e diminuição do apetite. O local da injeção pode coçar e inchar um pouquinho, sinal de que um processo imunológico está acontecendo ali. Mas não há nenhuma relação causal comprovada cientificamente entre as vacinas e processos como autismo, TDAH, síndrome do intestino irritável entre outros.
Em relação à preocupação com o mercúrio – timerosal (dimetil-mercúrio) e alumínio que compões a formula de vacinas multidoses: a quantidade de mercúrio, um conservante, em uma injeção de vacina tríplice, por exemplo, é tão baixa, que você ingere mais mercúrio quando come um peixe que come outros peixes,– como um cação ou atum. Isso porque o mercúrio está naturalmente presente na água dos mares, e se acumula na cadeia alimentar. Já o alumínio faz parte de um aditivo que algumas vacinas levam que ajuda a aumentar a resposta imunológica. Você consome muito mais alumínio quando come comida preparada numa panela de alumínio do que quantidade utilizada na produção da vacina. Logo, essas substâncias não causam o menor efeito colateral.
Já falamos sobre toda a tecnologia das vacinas e em como elas agem, mas o o ponto mais importante é: elas salvam anualmente milhões de vidas em todo o mundo. As campanhas de vacinação são muito mais importantes que imaginamos. A vacinação não protege somente a pessoa vacinada, isso porque a vacinação de uma comunidade inteira cria um efeito chamado “rede de proteção”. As estimativas mostram que, para certas doenças se eu tiver 95% da população vacinada, justamente por causa das redes de proteção, a doença fica tão controlada que quase desaparece. Quando o número de pessoas protegidas começa a diminuir, a doença reaparece, porque o agente etiológico, o causador daquela doença, continua existindo, a exemplo do sarampo que houve um surto em 2019. Essa doença já estava controlada há 20 anos.
Nesse contexto, precisamos discutir uma questão grave que vem ganhando força nos últimos tempos: os movimentos antivaxx (ou antivacina).
Como começou esse movimento?
Para entender e localizar como surgiu esse movimento antivacina, precisamos analisar uma linha do tempo. Nos anos 80, as campanhas de vacinação contra a poliomielite estavam em seu auge, porque houve uma pandemia de poliomielite na década de 50, e o crescimento urbano exigia maior eficiência das campanhas de vacinação. A poliomielite é uma doença muito séria, que deixa sequelas como paralisia parcial de membros e danos neurológicos.
Nessa época, não se conhecia condições de como autismo e nem TDAH, ou seja, é como se elas não existissem.. Na verdade, sempre existiram, mas o diagnóstico era pouco elaborado em virtude da falta de conhecimento. Certamente nós convivemos, nessa época, com crianças que teriam sido diagnosticadas dentro do espectro de autismo, porém elas eram “rotuladas” como estranhas, ou mal educadas.
Já no início da década de 90, houve uma melhora no diagnóstico de autismo. E entãonos EUA passam a surgir milhares de casos de crianças dentro desse espectro.. O fato é que pessoas começam a concluir, erroneamente, é que se de repente aparece um monte de gente autista, é porque alguma coisa estava causando autismo em crianças saudáveis. Muitos dos sinais utilizados no diagnóstico de autismo aparecem por volta dos 5, 6 anos de idade. Na mesma época que a criança toma uma série de vacinas. É muito importante informar que o autismo na verdade tem bases genéticas, e vai aparecendo em etapas, na medida em que o cérebro se desenvolve.
Porém. aproveitando-se dessa situação, um médico inglês se juntou com um grupo de advogados e desenvolveram um esquema pra faturar milhões em processos contra a indústria farmacêutica e os hospitais: esse ex-médico, porque ele perdeu a licença de exercício da medicina depois desse escândalo, forjou um artigo onde ele dizia ter evidências de que a vacina tríplice teria causado autismo em crianças, e ele apresentou 12 casos. Esse artigo pegou a comunidade científica despreparada, e “viralizou”.
Entretanto, 12 casos estatisticamente não são relevantes – vamos lembrar que as vacinas precisam ser testadas em milhares de pessoas antes de serem aprovadas para produção e distribuição. que a OMS (Organização Mundial da Saúde) colocou o Moviemnto Antivaxx na lista de 10 maiores ameaças à saúde mundial. As estimativas são que vacinas evitam 2 a 3 milhões de mortes anuais em todo mundo, e que esse número poderia chegar entre 4 e 5 milhões se a cobertura fosse mais amplamente distribuída. E os antivaxxers ajudam a diminuir as redes de proteção pelo mundo.
Então nos perguntamos: se todas as evidências apontam que vacinas são seguras, por que ainda tem gente que acredita no contrário?
Para entender isso a gente precisa investigar o apelo das teorias da conspiração. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, as teorias da conspiração estão, na mesma categoria do Terrorismo – e teorias da conspiração retroalimentam fake news. Sempre existiram teorias da conspiração, e sempre existiram fake news – antes considerávamos “boatos”. Mas a popularização da internet e das redes sociais levou esse processo a uma escala inédita.
Geralmente as fake news, e as teorias da conspiração começam como meias-verdades. Sim, vacinas tem mercúrio. E elas ocupam as lacunas de conhecimento naquelas áreas em que é mais difícil distinguir a causa aparente (por exemplo, o CoVid-2019 apareceu tão de repente porque foi feito em laboratório). Elas se baseiam na nossa ignorância de que os fenômenos e processos são complexos e dinâmicos. E quanto menos fundamento científico eu tenho em uma dada área, maiores as chances de se acreditar em respostas simplórias.
Conhecimento é poder, a gente sabe disso. Um dos apelos das Teorias da Conspiração é que elas dão a ilusão de que, de repente, você sabe muito sobre uma coisa, um fenômeno. E principalmente, você se sente especial porque as outras pessoas não sabem aquela coisa – genial – que você acabou de aprender num vídeo de 5 minutos sobre terraplana. Além daquele daquela massagem no ego, de que você acabou de acessar uma verdade universal tão óbvia, mas que o mundo inteiro ignora ou não quer aceitar. Assim, uma pessoa sem nenhuma formação reconhecida vira, em poucos dias, especialista.
O cérebro humano é viciado em encontrar padrões – a tal relação de causa-e-efeito, a causalidade. Ele é tão viciado nisso que ele preenche lacunas da nossa compreensão do mundo com “comos” e “porquês”, mesmo sem critério nenhum.
Ver um porque em coisas que não controlamos – o autismo de um filho, o câncer de um pai – ; ver essas coisas como fazendo parte de um plano maior, seja por quelquer crença que se tenha,facilita o processo de aceitação da nossa incapacidade de controlar tudo.
A questão é que as teorias da conspiração apelam para uma parte muito emocional e reativa do nosso cérebro – e por isso vídeos e posts com teorias da conspiração atraem mais cliques. Como o Youtube e Facebook medem engajamento por cliques, os algoritmos sugerem cada vez mais material conspiratório.
Os estudos mostram que os conspiracionistas são quem mais compartilham notícias falsas – no whatsapp e no facebook – e descartam totalmente a realidade científica dos fatos.
Considerando tudo isso, como se proteger das fake news, das teorias da conspiração e do negacionismo científico?
Primeiro: se tem um culpado muito claro, se apresenta uma abordagem simples e óbvia demais, é grande a chance de ser mentira. Se é uma recomendação médica e não tem o nome do médic@ e suas referencias, como em qual hospital ou universidade ela(ele) trabalha, muito provavelmente é mentira. Se não tem fonte que dê pra checar, é difícil confirmar e confiar. “Ah, mas minha tia…”- se a sua tia não é da área, ainda que você goste muito dela, ela não é uma fonte confiável.
Como combater esse movimento internacional? Primeiro com educação e letramento científico, somado ao exercício cotidiano,e desde a infância, da crítica, por meio do estudo da Filosofia e da Sociologia. A gente aprende mais sobre o mundo quando combina as Ciências Exatas, da Natureza e Humanas. E você pode publicar em suas redes sociais e para seu ciclo de convívio cada vez que buscar a verdade de uma notícia e descobrir que ela é uma fake news!
Arthur Corrêa.