Dia Nacional do Lobo-Guará: tecnologia a favor da conservação

Dia Nacional do Lobo-Guará: tecnologia a favor da conservação

O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) é o maior canídeo da América do Sul e uma das espécies mais emblemáticas do Cerrado. Com pernas longas, corpo esguio e pelagem alaranjada, este carnívoro ocupa um nicho ecológico único. Sua distribuição atual abrange o Brasil central, com populações também registradas na Bolívia, Paraguai, Argentina e, de forma mais restrita, no Uruguai. No território brasileiro, está presente principalmente no Cerrado, mas também em áreas de transição com a Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, especialmente em ambientes de campo sujo, cerradão, veredas e bordas de matas de galeria.

Ecologicamente, o lobo-guará exerce papel fundamental na estrutura e funcionamento dos ecossistemas. Trata-se de um carnívoro onívoro, cuja dieta inclui pequenos vertebrados, artrópodes e uma grande variedade de frutos nativos, especialmente o da lobeira (Solanum lycocarpum). Ao consumir e dispersar sementes, o lobo contribui para a regeneração da vegetação e a manutenção da diversidade do Cerrado. Por essa razão, é reconhecido como uma espécie-chave, essencial para o equilíbrio entre fauna e flora.

Apesar de sua ampla distribuição, o lobo-guará enfrenta sérias ameaças. A expansão agropecuária e a conversão de áreas nativas em pastagens e monocultivos fragmentam o habitat e reduzem a disponibilidade de alimento e abrigo. Os atropelamentos em rodovias são outra causa importante de mortalidade, assim como os conflitos com pequenos produtores e a disseminação de doenças transmitidas por animais domésticos. Entre essas enfermidades, a sarna sarcóptica, causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei, tem se destacado como uma preocupação crescente.

Diagnóstico e Monitoramento da Sarna Sarcóptica em Lobo-Guará

Um estudo publicado na revista Pathogens em 2023 por pesquisadores do Instituto Pró-Carnívoros, CENAP/ICMBio e Universidade de São Paulo reuniu e mapeou 52 registros de sarna sarcóptica em lobos-guará (confirmados e suspeitos), concentrados principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A doença provoca coceira intensa, queda de pelos e lesões na pele, podendo comprometer o bem-estar e a sobrevivência dos animais em casos graves. A pesquisa mostra que os casos ocorrem, em sua maioria, em paisagens modificadas pela agropecuária, onde há maior contato entre fauna silvestre e doméstica, especialmente cães e gado, que também podem ser hospedeiros do ácaro.

Para registrar os casos de sarna, os pesquisadores classificaram os animais em dois grupos:

●     Casos confirmados: incluem animais capturados, resgatados ou observados com lesões características da doença. A confirmação foi realizada por meio de raspagens ou biópsias de pele, identificando a presença do ácaro S. scabiei. No total, 10 casos foram confirmados.

●     Casos suspeitos: incluem registros feitos por armadilhas fotográficas e observações em redes sociais. Esses casos foram considerados suspeitos devido à presença de lesões sugestivas da doença, como alopecia e crostas, mas não tiveram confirmação laboratorial.

Os resultados sugerem que a sarna pode se tornar uma ameaça emergente para o lobo-guará, o que reforça a importância da vigilância constante e ações integradas de conservação, saúde e manejo de fauna e de animais domésticos.

Para compreender a dinâmica da doença, os pesquisadores contaram com o apoio de tecnologias essenciais. O uso de armadilhas fotográficas permitiu registrar indivíduos com lesões sugestivas de sarna à distância, sem necessidade de captura, compondo os casos suspeitos. Em locais monitorados continuamente, as câmeras também possibilitaram acompanhar a distribuição espacial desses registros ao longo do tempo, ajudando a entender onde os animais com sinais da doença estavam mais presentes.

Além disso, colares de telemetria foram utilizados nos lobos monitorados pelo Projeto Lobos do Pardo. Com esses dados, os pesquisadores podem observar a sobreposição de áreas de uso entre indivíduos saudáveis e infectados. Essas informações são cruciais para compreender rotas de contato e possíveis vias de transmissão da sarna, além de contribuir para o mapeamento dos territórios e hábitos da espécie.

Essas ferramentas são essenciais para complementar pesquisas científicas, pois fornecem dados sobre comportamento, saúde e ecologia espacial, informações importantes para orientar ações de manejo, vigilância sanitária e mitigação de riscos. A pesquisa reforça a necessidade de estratégias integradas de conservação, incluindo o controle de cães domésticos em áreas rurais e o fortalecimento de corredores ecológicos que garantam a conectividade entre as populações.

O estudo enfatiza que a saúde do lobo-guará está diretamente ligada à saúde do ambiente e dos animais domésticos. A presença da sarna em regiões modificadas pela agropecuária e pela expansão urbana mostra como as ações humanas influenciam na disseminação de doenças. Por isso, iniciativas de monitoramento contínuo, manejo responsável de cães e educação ambiental são fundamentais para reduzir o risco de novas infecções.

Neste Dia Nacional do Lobo-Guará, é importante lembrar que proteger essa espécie vai muito além da admiração por sua beleza. O lobo-guará é um dispersor de sementes, um indicador de ecossistemas saudáveis e um símbolo da biodiversidade brasileira. Sua conservação depende de pesquisa contínua, políticas públicas eficazes e do uso inteligente da tecnologia como ferramenta para compreender e preservar a vida selvagem.