Dia das Aves: As fragatas e as conexões invisíveis do Atlântico

Em Fernando de Noronha, o céu nunca está vazio. Sobre o mar, fragatas, atobás e viuvinhas cruzam o horizonte em busca de alimento. Nas matas, o sebito-de-noronha (Vireo gracilirostris) e a cocoruta (Elaenia ridleyana), espécies que só existem no arquipélago, estão sempre em movimento. Neste 5 de outubro, Dia das Aves, vale destacar o papel dessas espécies não apenas na beleza natural da ilha, mas também na conservação ativa dos ecossistemas que sustentam a vida.
As aves são verdadeiras ferramentas ecológicas. Elas dispersam sementes, promovendo a regeneração natural das florestas; controlam populações de insetos e pequenos vertebrados; transportam nutrientes entre o ambiente terrestre e o marinho; e mantêm o equilíbrio das cadeias alimentares. Além disso, funcionam como bioindicadores: sua presença, comportamento e abundância revelam a qualidade ambiental e ajudam cientistas e gestores a identificar mudanças nos ecossistemas.
Em Noronha, esses papéis são especialmente importantes. O sebito-de-noronha, por exemplo, contribui para a regeneração da vegetação nativa, favorecendo o equilíbrio da flora local. A cocoruta, outro endêmico, auxilia no controle de insetos e na dinâmica ecológica das matas. As fragatas (Fregata magnificens), com seus longos voos sobre o oceano, conectam a ilha a regiões distantes, enquanto espécies migratórias, como o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus), fazem da ilha um ponto de parada essencial em suas rotas globais.
Essas conexões mostram como a conservação das aves está diretamente ligada à conservação dos ecossistemas. O monitoramento de populações, o estudo de rotas migratórias e o uso de tecnologias como telemetria e bioacústica são ferramentas fundamentais para compreender o papel de cada espécie e direcionar ações de manejo mais eficazes.
É nesse contexto que surgiu o projeto Aves de Noronha. Desde o início, a proposta foi aproximar ciência e comunidade por meio do monitoramento de populações, capacitação de guias de turismo, ações de ciência cidadã e campanhas educativas. O objetivo é fortalecer a percepção de que as aves não são apenas visitantes ocasionais, mas parte da identidade e da vida da ilha.
Recentemente, uma reportagem do G1 destacou um estudo publicado na revista Marine Ornithology, que acompanhou, pela primeira vez, uma fragata monitorada por satélite em Noronha. A pesquisa, fruto de uma parceria entre o Aves de Noronha, a Log Nature e o ICMBio, registrou com precisão o trajeto da ave, que percorreu mais de cinco mil quilômetros, atravessou dez áreas protegidas e passou por pontos estratégicos ao longo do caminho, os corredores ecológicos.
O uso da tecnologia permite obter informações que não seriam possíveis apenas com observações em campo e evidencia que o monitoramento é uma ferramenta essencial para a conservação. Os dados dessa pesquisa destacam a importância de manter corredores ecológicos interligados e orientam ações de proteção mais eficazes. O estudo confirma que as aves não reconhecem fronteiras e dependem de áreas conectadas, reforçando a necessidade de estratégias de conservação transnacionais.
Os corredores ecológicos funcionam como vias naturais que asseguram a sobrevivência das aves em suas longas jornadas. Mais do que simples rotas de passagem, oferecem pontos de descanso, alimentação e reprodução, essenciais para que espécies migratórias completem seus ciclos de vida. No caso da fragata monitorada, o trajeto passou por diferentes habitats protegidos, o que evidencia a importância de manter essas áreas conectadas. Quando algum desses pontos é degradado ou desaparece, toda a rota fica comprometida, prejudicando não apenas as aves, mas também os ecossistemas que delas dependem.
O Aves de Noronha conta com o apoio da Log Nature, por meio de seu edital de fomento a iniciativas de conservação. Essa parceria amplia o alcance do projeto e fortalece o elo entre pesquisa científica, engajamento comunitário e práticas de conservação que garantem a proteção das aves e de seus habitats.
Esse olhar ecossistêmico é essencial. Noronha pode parecer pequena no mapa, mas para as aves ela integra um corredor que conecta mares tropicais a rotas migratórias que cruzam oceanos inteiros. Proteger uma colônia é também cuidar da produtividade marinha, das florestas que recebem nutrientes trazidos pelas aves e das pessoas que dependem desses recursos.
“Trabalhar com aves em Noronha me ensinou a ver o arquipélago não como um lugar isolado, mas como um nó em uma grande rede. Uma rede que conecta oceanos, florestas, pesquisadores, comunidades locais e até decisões políticas em diferentes países”, explica Larissa Amaral, vice-presidente do Instituto Retriz e coordenadora do projeto Aves de Noronha.
Proteger Noronha vai além da conservação local, envolve manter corredores ecológicos que conectam mares, ilhas e continentes, fundamentais para a sobrevivência das aves migratórias e para o equilíbrio dos ecossistemas. O Dia das Aves reforça a importância de monitoramento, educação ambiental e manejo e evidencia que a proteção das aves beneficia diretamente os ecossistemas e os serviços ambientais dos quais dependemos.
Colaboração especial
Este texto foi elaborado em parceria com o Aves de Noronha, apoiado pelo nosso programa de incentivo a projetos de conservação. Agradecemos à Larissa Amaral, coordenadora do projeto, por sua dedicação à preservação da fauna e pelo compartilhamento de conhecimentos que inspiram nosso compromisso com a conservação.