Dia da Onça-Pintada: A importância do monitoramento e da pesquisa de longo prazo
O dia 29 de novembro marca o Dia Nacional da Onça-Pintada, uma data criada para chamar atenção à conservação do maior felino das Américas. A onça-pintada (Panthera onca) é um símbolo da biodiversidade brasileira e desempenha um papel essencial no equilíbrio ecológico, atuando como predadora de topo. Cada indivíduo possui um padrão único de manchas, o que funciona como uma espécie de impressão digital natural.
A onça-pintada se destaca pela força extraordinária, incluindo uma das mordidas mais potentes entre os grandes felinos, e pela habilidade aquática, que amplia suas estratégias de caça. Como espécie-chave nos ecossistemas brasileiros, compreender onde vivem, como se deslocam, do que se alimentam e quais pressões enfrentam é essencial para sua conservação. O estudo das populações revela padrões fundamentais, permitindo identificar áreas prioritárias, rotas de deslocamento, disponibilidade de presas, conectividade entre fragmentos e possíveis gargalos ecológicos.
É um animal territorial e necessita de grandes áreas para garantir recursos como alimento, água, abrigo e parceiros reprodutivos. As maiores áreas de vida da espécie ocorrem no Cerrado e na Mata Atlântica, possivelmente devido à maior dificuldade de encontrar alimento e outros recursos. No Pantanal, por outro lado, onde o ambiente é rico em presas, indivíduos podem utilizar áreas menores, com registros próximos de 36 km². Essas diferenças mostram como o uso do espaço está diretamente ligado às condições ambientais e à integridade do habitat.
A perda e a fragmentação do habitat são as principais ameaças à espécie. A conversão de áreas naturais para pastagens, agricultura e infraestrutura eliminou cerca de metade da área originalmente ocupada pela onça-pintada. Rodovias, barragens e loteamentos cortam o território da espécie, prejudicam sua movimentação e isolam populações inteiras, reduzindo a troca genética e aumentando o risco de declínio local.
Além da redução de habitat, a conectividade entre áreas naturais é um ponto crítico para a sobrevivência da onça-pintada a longo prazo. Quando florestas ficam fragmentadas e separadas por rodovias, agricultura ou centros urbanos, os indivíduos perdem a capacidade de se deslocar livremente entre fragmentos. Isso isola populações, reduz o fluxo gênico e aumenta o risco de extinções locais. Por isso, iniciativas focadas em corredores ecológicos, faixas de habitat que permitem o deslocamento seguro entre fragmentos, são essenciais para manter populações viáveis. Sem essa conectividade, mesmo áreas protegidas podem se tornar “ilhas” insuficientes para sustentar a espécie.
Outro desafio é o conflito direto com humanos, principalmente com produtores rurais, já que a redução de presas naturais e a destruição do habitat frequentemente levam a espécie a predar o gado. Isso, historicamente, resulta em perseguição e abate por retaliação. A caça ilegal, atropelamentos e o tráfico de partes do animal também seguem como ameaças documentadas.
As tecnologias de monitoramento, como rádio colares e câmeras trap, são ferramentas poderosas que podem ampliar o que conseguimos aprender sobre as populações de onça-pintada.
Um exemplo disso aparece no artigo “Primeiros registros de predação do tatu-bola-do-nordeste (Tolypeutes tricinctus) pela onça-pintada (Panthera onca)”, publicado em 2021. O estudo apresenta os primeiros registros confirmados de predação da onça-pintada sobre o tatu-bola-do-nordeste, uma espécie endêmica do Brasil e classificada como ameaçada.
Realizada na Caatinga, a pesquisa mostra uma onça carregando um tatu-bola completamente enrolado em defesa e apresenta evidências claras de perfurações na carapaça compatíveis com os caninos potentes do felino. O registro foi obtido a partir de um vídeo de 15 segundos gravado por uma câmera trap, reforçando a importância dessa tecnologia para o monitoramento de animais silvestres e para o estudo científico de espécies vulneráveis, como a onça-pintada.
Segundo o estudo, embora pareça apenas um registro pontual, essa descoberta tem implicações significativas para a ecologia populacional da onça-pintada. Ela amplia o conhecimento sobre a dieta da espécie em áreas pobres em grandes presas, como a Caatinga. Populações de onça nesse bioma são menores corporalmente e podem depender mais de recursos alternativos, como pequenos mamíferos.
Além disso, o comportamento registrado indica que a pressão de predação sobre o tatu-bola pode ser maior do que o esperado, e que a falta de registros anteriores provavelmente está ligada à baixa quantidade de estudos nessas regiões, não à raridade da interação. Esse ponto reforça uma das conclusões do artigo: a lacuna de dados sobre interações ecológicas na Caatinga está mais relacionada à falta de pesquisa do que à ausência desses processos na natureza.
Entender esse tipo de relação é essencial para avaliar o estado de conservação das populações de onça-pintada e prever riscos, como redução na disponibilidade de presas, mudanças no comportamento alimentar e até alterações no tamanho populacional. E é aqui que entram os equipamentos de monitoramento, que desempenham um papel importante em estudos a longo prazo. Com rádio colares GPS, é possível identificar áreas de vida, rotas de deslocamento, locais de descanso, proximidade de áreas de risco e padrões de atividade ao longo do ano. Já as câmeras trap, que foram fundamentais no artigo citado, permitem registrar comportamentos, identificar indivíduos pelo padrão de manchas e estimar densidade populacional de forma não invasiva.
Esses métodos também ajudam a detectar eventos de predação, como no estudo, em que as câmeras registraram a onça transportando o tatu-bola. Quando combinamos essas imagens com análises das carcaças e com dados espaciais, como os locais exatos onde cada registro foi feito, torna-se possível reconstruir eventos ecológicos e entender como os animais utilizam diferentes ambientes, incluindo áreas degradadas, bordas de vegetação e regiões com maior atividade humana.
Ao reunir essas informações, pesquisadores conseguem criar modelos de viabilidade populacional, identificar áreas prioritárias para conservação, mapear corredores de conectividade e orientar políticas públicas mais eficientes. Sem monitoramento, populações isoladas podem declinar sem que sequer percebamos.
No Dia Nacional da Onça-Pintada, celebrar esse felino significa apoiar ciência, tecnologia e pesquisa de longo prazo. Entender como as populações utilizam o ambiente, como interagem com suas presas e como respondem às pressões humanas é o caminho mais seguro para garantir que a onça-pintada continue desempenhando seu papel ecológico nos biomas brasileiros.