Desvendando os Mistérios da Noite: Morcegos e a Ciência da Bioacústica
Quem são os quirópteros
Os morcegos, também conhecidos como quirópteros, são animais diversos e abundantes no Brasil. Suas dietas são variadas, com algumas espécies se alimentando de sangue de animais de sangue quente, como é o caso do morcego-vampiro comum, que se alimenta principalmente de gado, cavalos e aves. Já os morcegos frugívoros se alimentam principalmente de frutas. Os morcegos insetívoros se alimentam de insetos, incluindo mosquitos e outros insetos noturnos.
O Brasil abriga uma rica diversidade de morcegos, com cerca de 180 espécies registradas, ocupando uma variedade de habitats que vão desde florestas tropicais até áreas urbanas. Esses animais desempenham papéis importantes nos ecossistemas, como polinizadores, controladores de insetos e dispersores de sementes, além de serem objeto de estudo para várias disciplinas científicas.
Muitas espécies de morcegos desempenham papéis essenciais na natureza. Alguns são importantes polinizadores de diversas plantas, incluindo árvores frutíferas, cactos e plantas tropicais, enquanto outros ajudam no controle natural de pragas, como os insetívoros. Os morcegos frugívoros também contribuem para a regeneração florestal ao dispersarem sementes. A pesquisa sobre morcegos tem o potencial de oferecer valiosos insights sobre a ecologia dos ecossistemas onde habitam, contribuindo significativamente para a conservação de espécies em risco.
Bioacústica
A vocalização dos morcegos é predominantemente ultrassônica, o que significa que suas chamadas ocorrem em frequências muito elevadas. Essas vocalizações ultrassônicas são utilizadas pelos morcegos para eco localização, comunicação entre indivíduos da mesma espécie e interação com suas presas.
A faixa de frequência das vocalizações dos morcegos pode variar consideravelmente entre as espécies, mas geralmente está acima de 20 kHz, o limite superior da audição humana. Alguns morcegos emitem chamadas em frequências tão elevadas quanto 200 kHz ou mais, permitindo-lhes detectar objetos minúsculos e obter informações detalhadas sobre o ambiente ao seu redor.
Embora os seres humanos não consigam ouvir diretamente essas vocalizações ultrassônicas, os cientistas têm a capacidade de gravá-las e convertê-las em frequências audíveis para fins de estudo. Esta é uma metologia utilizada na pesquisa de morcegos, e que possibilita aos pesquisadores uma compreensão maior da comunicação, forrageamento e orientação desses animais em seu ambiente. Para isso, são utilizados equipamentos de bioacústica, projetados para capturar e analisar as vocalizações ultrassônicas dos morcegos.
Os gravadores ultrassônicos, como o Gravador Ultrassônico Song Meter Mini Bat, são dispositivos sensíveis a frequências ultrassônicas, capazes de registrar os sons emitidos pelos morcegos além da capacidade auditiva humana. Além deles, existem os microfones ultrassônicos, projetados especialmente para capturar essas frequências e registrar as vocalizações dos morcegos em ambientes naturais.
A bioacústica é essencial em diversas áreas científicas e apresenta diversas aplicações práticas. Seu papel é fundamental em aspectos como conservação da biodiversidade, compreensão do comportamento animal, ecologia acústica e monitoramento ambiental.
Biblioteca de sons
Em 2018, a revista científica Mammal Research publicou um estudo realizado por pesquisadores de quatro universidades brasileiras, que utilizaram equipamentos de gravação para registrar os sons de alta frequência (ultrassons) emitidos por 65 espécies de morcegos pertencentes a oito das nove famílias encontradas no Brasil. Esta pesquisa foi crucial para preencher uma grande lacuna de conhecimento sobre os chamados de ecolocalização desses animais na região das Américas Central e do Sul.
O principal objetivo do estudo foi criar um inventário desses sons, funcionando como uma “biblioteca” acústica das espécies de morcegos brasileiros. Essa compilação não apenas contribui para entender a diversidade e distribuição desses animais nos biomas do país, mas também facilita seu estudo e conservação, auxiliando na identificação de áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade.
O biólogo Frederico Hintze, do Laboratório de Ciência Aplicada à Conservação da Biodiversidade, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que, para tornar os sons audíveis aos seres humanos, ele é gravado dez vezes mais lento do que o real. Por exemplo, uma frequência original de 70 kHz é gravada para ser ouvida a 7 kHz. Esse processo exigiu o uso de equipamentos especiais, chamados de detectores de ultrassons.
As gravações foram realizadas em três situações distintas: durante a soltura de morcegos capturados, na saída de cavernas e abrigos conhecidos, e em tendas de voo, onde os morcegos eram liberados para voar enquanto eram gravados. Essas gravações foram feitas em várias regiões do país, tanto em áreas urbanas quanto em locais protegidos.
Após a coleta dos dados, os sons foram analisados por meio de um programa de computador específico, comparando diferentes parâmetros como frequências, duração e amplitude.
“Dessa forma foi construída uma biblioteca de sons que, por meio dessa comparação e com ajuda da literatura, puderam ser identificados”, explica Ludmilla Aguiar, da Universidade de Brasília (UnB), que também participou da pesquisa.
A identificação de morcegos pelo som é possível porque, tal como ocorre com as aves, cada espécie emite ondas sonoras com características únicas, como frequência e intervalo entre pulsos. Essas características são representadas em gráficos, facilitando a visualização e comparação.
Os dados obtidos foram disponibilizados em um repositório na Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Morcegos (SBEQ), permitindo sua utilização para comparação e identificação de futuros registros de morcegos.
O uso da bioacústica por esses pesquisadores preencheu uma lacuna no conhecimento sobre morcegos insetívoros, uma vez que essas espécies são difíceis de capturar com redes de neblina.