Conservar em meio à cidade: o que uma universidade imersa na floresta pode nos ensinar

Manaus, capital do Amazonas, cresce em ritmo acelerado, avançando sobre áreas antes ocupadas pela floresta amazônica. A expansão urbana, marcada por estradas, loteamentos e obras de infraestrutura, fragmenta habitats, impulsiona o desmatamento e intensifica os conflitos entre a fauna silvestre e a população humana.
Nesse contexto, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) ocupa uma posição singular: seu campus principal está inserido em um remanescente de aproximadamente 670 hectares de floresta nativa, dentro da Área de Proteção Ambiental Floresta Manaós. Apesar da crescente urbanização ao redor, a unidade de conservação ainda abriga uma impressionante diversidade de fauna silvestre.
É nesse cenário que o Instituto Igapó desenvolve ações essenciais para a conservação da Amazônia, em parceria com o LabFauna/UFAM e o CETAS/AM (IBAMA). Juntos, esses grupos monitoram, resgatam e estudam a fauna da região, unindo ciência, manejo técnico e compromisso com o território. Em 2025, o Instituto foi selecionado no edital anual da Log Nature para apoio a projetos de conservação, passando a integrar nossa rede de iniciativas apoiadas — um reconhecimento à relevância de seu trabalho em prol da biodiversidade amazônica.
A convivência entre fauna silvestre e cidade é cada vez mais evidente em Manaus. Jacarés que atravessam avenidas e interrompem o trânsito, preguiças penduradas em fios de energia e o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) — um dos primatas mais ameaçados do mundo — enfrentam diariamente os desafios de sobreviver em um território urbanizado. A perda contínua de habitat obriga essas espécies a cruzarem vias movimentadas em busca de fragmentos de floresta, expondo-as a riscos crescentes.
As ruas e avenidas da cidade materializam o conflito entre desenvolvimento urbano e preservação ambiental. Cada nova estrada fragmenta ainda mais o território e aumenta a incidência de atropelamentos, agravados pela falta de planejamento integrado e de sinalização adequada — fatores que tornam esses acidentes frequentes e, muitas vezes, evitáveis.
Espécies como a preguiça-comum (Bradypus variegatus) e a preguiça-real (Choloepus didactylus) são constantemente vítimas de atropelamentos e eletrocussões. Já as serpentes, como jiboias (Boa constrictor) e jararacas (Bothrops atrox), ao invadirem áreas residenciais em busca de abrigo ou alimento, costumam ser alvo de medo e intolerância, apesar de seu papel ecológico fundamental.
Para compreender melhor as necessidades da fauna e aprimorar estratégias de conservação, o Instituto Igapó utiliza coleiras GPS e microchips no monitoramento das preguiças, avaliando sua adaptação após resgates e translocações. O LabFauna, por sua vez, atua na redução de conflitos com répteis, realizando o manejo técnico e o resgate seguro desses animais, com posterior devolução a ambientes apropriados. Essas ações demonstram como o conhecimento científico, aliado ao respeito pela fauna, é essencial para promover uma convivência mais harmoniosa entre cidade e natureza.
A permanência de espécies silvestres em Manaus só é possível porque ainda restam fragmentos de floresta em meio ao ambiente urbano. Preservar essas áreas é fundamental não apenas para a biodiversidade, mas também para a qualidade de vida humana — contribuindo para a regulação climática, o equilíbrio ecológico e o fortalecimento do vínculo cultural com a floresta.
Se jacarés, preguiças e sauins ainda circulam pelo campus da UFAM, isso mostra que coexistir com a biodiversidade em meio à cidade não é apenas possível — é necessário. Mas essa convivência demanda políticas públicas eficazes, planejamento urbano responsável e o engajamento da sociedade em valorizar e proteger o patrimônio natural que a cerca.
Apesar da importância da região, o estado do Amazonas conta atualmente com apenas um CETAS, que enfrenta limitações operacionais e carência de equipe especializada para atendimentos emergenciais. Esse cenário evidencia a urgência de investimentos públicos consistentes, estrutura adequada e comprometimento das autoridades na proteção da fauna nas áreas urbanas da Amazônia.
Educação ambiental como pilar da conservação
A educação ambiental ocupa um papel essencial para o Instituto Igapó. Suas atividades incluem caminhadas noturnas para observação de mariposas e invertebrados, com o objetivo de sensibilizar e fomentar o interesse pela biodiversidade local. O curso internacional realizado na Reserva Adolpho Ducke oferece formação integrada em biologia da conservação, contemplando aspectos técnicos e éticos.
Além disso, o Instituto desenvolve um livro de atividades para crianças de 6 a 12 anos, com o objetivo de estimular o respeito e a empatia pela natureza desde cedo, além de formar cidadãos conscientes e conectados com o meio ambiente.
Experiências como a do Instituto Igapó, do LabFauna/UFAM e do CETAS/AM mostram que o conhecimento técnico, aliado à atuação local e à educação ambiental, tem o poder de transformar realidades e proteger o que ainda resiste. Investir em instituições comprometidas com a conservação é investir em cidades mais equilibradas, saudáveis e preparadas para o futuro.
A floresta que ainda permanece dentro e ao redor de Manaus é um ativo essencial, não apenas para a fauna, mas para todos nós. Preservá-la é uma escolha coletiva, que depende da valorização da ciência, da educação e de políticas públicas que coloquem a natureza no centro das decisões.
Colaboração especial
Este texto foi elaborado em parceria com o Instituto Igapó, apoiado pelo nosso programa de incentivo a projetos de conservação. Agradecemos a Sam Félix Martins, fundador do Instituto Igapó, pela dedicação à preservação da fauna amazônica e pelo compartilhamento de conhecimentos que inspiram nosso compromisso com a conservação.