A importância das agroflorestas para a conservação da biodiversidade

A importância das agroflorestas para a conservação da biodiversidade

As agroflorestas, ou Sistemas Agroflorestais (SAFs), são modelos de uso da terra que integram o cultivo agrícola com espécies arbóreas em uma mesma área. Esses sistemas se destacam por conciliar produção e conservação, promovendo uma abordagem mais sustentável do que os modelos convencionais de monocultura. Ao reproduzir aspectos dos ecossistemas naturais, os SAFs favorecem a complexidade estrutural e a diversidade biológica, tornando-se aliados importantes para uma agricultura mais equilibrada e integrada ao ambiente.

Existem diversos tipos de cultivos agroflorestais, dentre eles se destacam os sistemas que utilizam espécies de sub-bosque, como o cacau e o café, que se desenvolvem bem sob a sombra de árvores maiores. As árvores sombreadoras, além de contribuírem para o aumento da estruturação vegetal na paisagem e para a criação de ambientes mais amigáveis às espécies nativas, também desempenham um papel fundamental no sequestro de carbono da atmosfera, ajudando a mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

Esse modelo de produção é especialmente relevante em um cenário global de perda acelerada de biodiversidade, impulsionada principalmente pela conversão de habitats naturais em áreas agrícolas. No Brasil, entre 1985 e 2023, cerca de 108 milhões de hectares de vegetação nativa foram perdidos, segundo dados do MapBiomas, área equivalente à soma dos territórios da França e da Espanha. No mesmo período, as áreas de cultivo agrícola e pastagens aumentaram 115 milhões de hectares, substituindo diretamente os ecossistemas naturais e expondo as áreas remanescentes à degradação.

Diante desse cenário preocupante, a agrofloresta se apresenta como uma alternativa capaz de aliar produção e conservação. Isso porque, ao manter uma estrutura vegetal diversificada e mais complexa do que aquela dos sistemas convencionais, os SAFs promovem a conectividade ecológica, protegem o solo, regulam o microclima e oferecem refúgio e alimento para a fauna silvestre. Esses sistemas são ainda mais importantes quando implementados em paisagens dominadas por cultivos intensivos.

Um exemplo notável do papel das agroflorestas na conservação ocorre no sul da Bahia, onde o cultivo do cacau é realizado há mais de 200 anos em sistemas agroflorestais conhecidos como “cabrucas”. Nesses sistemas, as espécies do sub-bosque da Mata Atlântica são substituídas por cacaueiros, mas o dossel de árvores nativas é mantido. Isso permite que a cobertura florestal seja preservada, criando condições para que diversas espécies de mamíferos, anfíbios e invertebrados utilizem essas áreas como habitat secundário.

Enquanto outras regiões do Brasil substituíam a Mata Atlântica por monoculturas de cana-de-açúcar ou café, o sul da Bahia manteve as agroflorestas de cacau, o que contribuiu significativamente para a conservação da biodiversidade local. Hoje, essas áreas representam não só um patrimônio ecológico, mas também cultural e econômico para a região.

No entanto, nos últimos anos, observa-se um processo de substituição dessas agroflorestas por cultivos a pleno sol, pastagens e cafezais. Essa mudança impacta negativamente a biodiversidade, intensifica os efeitos das mudanças climáticas e caminha na contramão de iniciativas globais de reflorestamento.
 

Agrofloresta de cacau, onde se observa o cacau no sub-bosque sombreado por árvores maiores. Fonte: Matheus Torres

Agroflorestas em destaque: conheça a pesquisa de Matheus no sul da Bahia

Com o objetivo de contribuir para esse cenário de conservação das agroflorestas de cacau, o ecólogo Matheus Torres, doutorando em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Estadual de Santa Cruz e membro do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação (LEAC) e do projeto Eco-nomia das Cabrucas, desenvolve uma pesquisa no sul da Bahia que visa compreender o papel das agroflorestas de cacau na regeneração florestal e na mitigação das mudanças climáticas. Sua tese investiga como características da paisagem, como a cobertura florestal, e aspectos locais, como a abertura do dossel das árvores, influenciam a regeneração natural.

O estudo busca avaliar dois momentos importantes da regeneração: a composição do banco de sementes no solo e a influência da fauna local no recrutamento de sementes. Além disso, o projeto envolve o plantio e o monitoramento de duas espécies florestais de importância ecológica, a palmeira-juçara (Euterpe edulis) e o ingá-de-metro (Inga edulis), para avaliar sua sobrevivência ao longo de um ano. Armadilhas fotográficas serão utilizadas para registrar a presença da fauna nas áreas de estudo, e gaiolas de exclusão serão aplicadas para entender a influência de dispersores terrestres no banco de sementes do solo.

Parcela do experimento de exclusão de dispersores terrestres a direita e parcela de controle a esquerda, com armadilha fotográfica localizada em frente a parcela controle (aberta)

As câmeras instaladas nas agroflorestas desempenham um papel fundamental ao registrar a presença de animais silvestres. Esses registros permitem identificar espécies que atuam na dispersão de sementes e avaliar os efeitos da fragmentação da paisagem sobre a fauna local. Além disso, as câmeras contribuem para integrar diferentes processos ecológicos, como a regeneração do banco de sementes e o monitoramento da biodiversidade, fornecendo dados valiosos para a conservação.

Tamandua tetradactyla. Fonte: Matheus Torres
Cerdocyon thous. Fonte: Matheus Torres
Callithrix kuhlii. Fonte: Matheus Torres
Leopardus wiedii. Fonte: Matheus Torres
Euphractus sexcinctus. Fonte: Matheus Torres
Eira barbara. Fonte: Paloma Resende (pós-doutoranda no LEAC e integrante do projeto Eco-nomia das Cabrucas).

A proposta da pesquisa é que, ao reconhecer o papel das agroflorestas como áreas de regeneração florestal e sequestro de carbono, produtores possam obter uma segunda fonte de renda por meio da venda de créditos de carbono e do pagamento por serviços ambientais. Assim, reforça-se a importância das cabrucas não apenas na produção de cacau, mas também como aliadas da conservação ambiental e do desenvolvimento sustentável da região.

A iniciativa liderada por Matheus é um excelente exemplo de como o conhecimento científico e a prática agroecológica podem caminhar juntos na construção de soluções para a crise ambiental. Temos orgulho em apoiar iniciativas como essa, que valorizam a biodiversidade, o saber local e uma ciência comprometida com o futuro do planeta.

Colaboração especial:

O texto foi elaborado em colaboração com o ecólogo Matheus Torres, apoiado pelo nosso programa de incentivo a projetos de conservação. O conteúdo reflete sua vivência prática, seu conhecimento técnico e seu engajamento com a pesquisa e preservação das agroflorestas no sul da Bahia. Agradecemos ao Matheus pela parceria e por compartilhar conosco sua experiência e dedicação à conservação da biodiversidade.